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Carreira em saúde: como tecnologia e gestão estão abrindo novos caminhos na formação

Com o avanço da tecnologia, novos cargos e possibilidades de negócios tem surgido na saúde, além da carreira executiva com foco em gestão.

               
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Empreendedorismo, tecnologia e gestão em saúde são novos caminhos da carreira profissional.

Profissionais da saúde recém-formados tinham destino certo no passado: trabalhar nas clínicas e hospitais, construir uma carreira sólida no atendimento ao paciente e se aposentar. Alguns poucos conseguiram empreender, abrindo consultórios próprios em uma época com muito mais barreiras. O cenário em 2022 é bem diferente: a revolução digital na saúde, a facilidade de aprendizado que a internet trouxe e os desafios do setor em si tornaram mais amplos esses caminhos.

Esta mudança chega também com uma necessidade de transformação comportamental e desenvolvimento de habilidades diferentes para ingressar nas áreas de interesse, o que demanda uma nova preparação e formação. A área executiva, por exemplo, talvez a carreira mais comum fora das clínicas e de pesquisa, muitas vezes não atua diretamente em contato com o paciente, mas o seu trabalho reflete diretamente nos cuidados, através da gestão.

De um jeito ou de outro, essas grandes mudanças nos últimos anos refletem no profissional que as empresas de saúde procuram: mais ligados às tecnologias, empáticos e que compreendam as complexidades do sistema, como aponta Larissa Eloi, general manager do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Além da formação em gestão, é preciso que os profissionais que queiram atuar nesta área ampliem a visão sobre a profissão:

“No passado, as empresas buscavam muito mais profissionais bons tecnicamente e, hoje, levando em consideração o quanto a saúde mental entrou em pauta nas nossas discussões, vemos como é importante o aspecto comportamental e o equilíbrio emocional. A nova liderança precisa ter foco em empatia e humildade, e entender que o cenário pode mudar da noite para o dia e a gente é humano, precisamos construir e refinar cada vez mais as nossas competências de liderança”.

Uma pesquisa realizada pela International Hospital Federation (IHF) em 2015 mapeou as principais competências de um líder de saúde: liderança, comunicação e relacionamento, responsabilidade social e profissional, sistema de saúde e negócios. O CBEXs ainda adiciona um outro elemento, o conhecimento em saúde digital.

“É importante que quem queira ser líder da saúde não entenda que só tem um eixo, precisa cuidar de todos os eixos de formação para ter um equilíbrio de conhecimentos. Alguns líderes vão pesar mais em liderança, outros em sistemas de saúde e outros com gaps maiores em negócios”, analisa Larissa Eloi.

Além da saúde

A pesquisa Atlas 2021, produzida pelo CBEXs para mapear o perfil de lideranças em saúde do Brasil, mostra que dos mais de 1500 executivos ouvidos, 49% deles já atuaram em outros segmentos. “É muito importante e positiva essa pluralidade de visões, principalmente olhando na área de gestão das instituições. A gente vê que a saúde está se tornando mais plural, e esse novo momento vem colocando a saúde como prioritária, com um pouco mais de gás para trazer novos olhares. Mas essas pessoas precisam entender a complexidade do sistema, porque não é fácil, precisam se qualificar e ter uma formação gerencial”, explica Larissa.

Da mesma forma, 65% possuíam uma pós-graduação especializada, mostrando a importância de ter uma formação continuada. Além da parte acadêmica, é preciso focar na relação com outros líderes do setor, principalmente por ser um sistema muito fragmentado e que permite parcerias e estratégias conjuntas.

“Hoje, o CBEXs acredita muito que essa nova liderança tem que estar preparada para se conectar com novos líderes, com a parte de comunicação e relacionamento muito forte, mas ao mesmo tempo estar em constante desenvolvimento. Não estamos falando de mestrado e MBA, mas de pequenas ações onde os líderes conseguem se complementar. Executivos falando para executivos e como eles trocam entre si”, defende Eloi.

Apesar de não ter regra para trilhar o caminho do executivo em saúde, além da formação e das principais competências, é preciso que o profissional tenha sempre em vista que todas as ações precisam ser em benefício ao paciente, que é a linha final de todo o trabalho desenvolvido pela organização. Para isso, é necessário atuar junto a todos os colaboradores, para que se crie uma cultura na organização com foco no cuidado.

CMIO

Com o avanço da tecnologia e da saúde digital, um novo cargo surgiu nas organizações: o CMIO – Chief Medical Information Officer (chefe de informática médica, em tradução livre). Ele é o profissional que faz o meio de campo entre o setor que desenvolve as soluções e a ponta assistencial.

Dessa forma, é possível que as ferramentas atendam as necessidades de médicos e pacientes, minimizando possíveis erros. O CMIO vai ser responsável por “traduzir” as demandas, interligando as duas áreas e tornando a comunicação mais fluída.

“Por ter a experiência clínica, ele consegue passar aos profissionais o porquê de se utilizar as ferramentas, a necessidade da implementação e os benefícios. E também, estabelecer as estratégias de treinamento para as equipes, como multiplicador desse conhecimento dentro das organizações”, aponta Evandro Félix, CMIO da Mevo Saúde.

Evandro é médico de formação e segue atuando como neurologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), atuando como preceptor dos residentes e alunos de medicina. Segundo ele, além da graduação em saúde, é preciso que o profissional que queira atuar como CMIO goste e entenda sobre tecnologias e suas ferramentas, além de uma visão de mercado, tendências e estratégias, para propor novas soluções à empresa.

O neurologista ainda buscou uma especialização junto à Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), que oferece a Certificação Profissional em Tecnologia da Informação e Comunicação em Saúde (cpTICS).

“Claro que existiam já pessoas que exerciam, nós temos grandes nomes no Brasil que trabalham com TI em saúde há décadas. Mas nos últimos anos isso vem se acentuando, sem dúvida. E com a questão da própria tecnologia, o crescimento da implantação e o surgimento de novas demandas, um caminho muito interessante se abriu para profissionais que não queriam seguir a área assistencial ou que queiram seguir, mas não de maneira exclusiva”, explica Evandro.

Com o boom de healthtechs e a entrada de empresas de fora da saúde no setor, como Google e Amazon, a demanda pelo CMIO vem crescendo e já é considerado um novo campo de atuação para aqueles que não querem seguir a carreira clínica ou desejam atuar paralelamente. 

Empreendedorismo

A tecnologia permitiu não só que novos cargos surgissem dentro das empresas, mas também a possibilidade dos médicos e demais profissionais da saúde criassem os seus próprios negócios, com investimentos menores que no passado e mais investidores com interesse de entrar nesse mercado.

Em 2012, 3 médicos se juntaram para criar a PEBMED, uma empresa de conteúdo para profissionais de saúde que atuam com aplicativos e portal de notícias. Ela foi responsável por criar o Whitebook, app que contribui com as informações médicas para ajudar os profissionais no dia a dia e que conta com mais de 360 mil usuários no Brasil.

“A tecnologia trouxe para a sociedade de uma maneira geral uma flexibilidade em relação ao escopo de trabalho muito grande. Antigamente, era um negócio super fixo. Você se formou médico, ia tratar de pessoas. Advogado, vai advogar. E a tecnologia trouxe um meio que qualquer um pode ser qualquer coisa.”, explica Eduardo Moura, cofundador da PEBMED.

Parar de atender pacientes é uma das resistências daqueles que se dedicam a empreender. Médico de formação, Eduardo deixou de atuar na área clínica quando o trabalho demandou uma atuação mais presente, mas o aprendizado obtido na rotina da profissão foi importante para criar soluções que fossem de fato auxiliar a atuação dos profissionais.

“Uma coisa que confortou muito é que aquilo que fazíamos no dia a dia não era tão distante da medicina e estava ajudando outros médicos. O potencial de impacto que a gente tem individualmente, tratamento de 20 a 40 pacientes por dia, é muito menor do que o impacto que geramos pelos milhares de médicos que acessam diariamente nossos produtos”, defende.

Possibilidades de carreira

Mesmo que a graduação em medicina não tenha uma disciplina dedicada ao empreendedorismo, Eduardo afirma que o mercado atual cobra que médicos sejam empreendedores. Por isso, é preciso que os profissionais busquem um conhecimento mínimo sobre o tema, para que ampliem as possibilidades ao longo da carreira.

“Hoje a maior parte dos contratos com os hospitais são de pessoa jurídica e você tem que ter um manejo das finanças, pagar os impostos e entender um pouco disso, do aspecto financeiro. Ou quando você vai abrir o consultório, que aí você vai ter um local físico e fazer a gestão, desde a compra do papel higiênico até pagar as contas mensais ou mandar os comprovantes ao seguro médico para receber”, defende.

A PEBMED foi comprada em 2020 pela Afya, ecossistema de educação em saúde e healthtechs, que possui 23 faculdades de medicina pelo país com mais de 17 mil alunos. Com uma visão mais inovadora e de mercado que as universidades tradicionais, a Afya possui um projeto para fomentar iniciativas de alunos e professores com soluções em tecnologias.

Através da Afya Ventures, a empresa faz mentorias, conexões com outros players do mercado e investimentos financeiros que possam contribuir com a estruturação do produto, tornando-o viável tanto para a utilização, quanto para a rentabilidade. Assim como a Afya, outros investidores e aceleradores de startups podem se tornar grandes parceiros nesse desenvolvimento.

Eduardo alerta que, no entanto, não há garantia de que uma healthtech vai atingir seus objetivos e é preciso ter isso em mente para criar um plano B. No caso dos médicos, o que traz um pouco mais de segurança é que a área da medicina tem uma demanda contínua de profissionais e é bem remunerada, o que pode ser uma “saída de emergência” em alguns casos.

Aprendizado complementar

Além da PEBMED, a Afya adquiriu outras 9 healthtechs que estavam em crescimento. Uma delas foi a MedPhone, um aplicativo de “beira de leito” que contribui com médicos e estudantes de medicina no suporte de informações. Com a compra, o aplicativo foi absorvido pelo Whitebook, da PEBMED, que tem função semelhante.

Ricardo Maranhão, nefrologista e um dos fundadores do MedPhone, explica que o aplicativo surgiu do interesse em programação. Ele uniu o gosto por tecnologia e medicina para criar uma solução para um problema que ele enfrentava na residência médica. Essa junção pode ser uma possibilidade para aqueles que já possuem uma afinidade com outros temas além da medicina, como tem acontecido com profissionais que trabalham com dados e inteligência artificial.

“A gente tem que estimular os médicos a começar a programar, entender o que é um banco de dados e como as coisas podem ser feitas. Ele pode não saber programar, mas ele precisa entender bem o que é possível fazer, porque quando você vai conversar com um desenvolvedor é muito mais fácil passar os objetivos”, explica Maranhão.

Apesar de ainda atuar como médico, a função de Product Manager dentro da PEBMED é o carro-chefe da sua carreira. Ele considera ser difícil se desligar completamente da medicina pelo longo período dedicado aos estudos, além de ser gratificante atuar diretamente com os pacientes. Ricardo defende que além da formação, é importante que o profissional seja curioso e interessado no que se propõe a fazer e crie uma rede de pessoas que possam colaborar junto ao projeto.

“Principalmente no começo essa parte da gestão de equipe é totalmente feita pelo empreendedor. Quando a gente começa fazemos tudo: é programador, suporte, conteúdo, gestão de pessoas, etc. Às vezes é melhor que você seja bom em tudo, não precisa ser excelente em uma coisa só. Você consegue se desenrolar mais nesse começo do que aquele profissional que é um especialista em algo, que acaba ficando perdido”, acredita.

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